Resquícios da escravidão perduram. Conflitos raciais ocorrem rotineiramente na sociedade, gerando violência física e principalmente psíquica, mantendo a pessoa acuada, impedida de desenvolver autoestima e autoconfiança. Mas as manifestações racistas no Brasil não são em sua maioria de caráter segregatório, não sendo comum a pregação de doutrinas a respeito da superioridade racial. O racismo ocorre nas relações sociais, entre indivíduos que utilizam palavras racistas e/ou pejorativas para se sobrepor à pessoa de raça diferente. Peculiaridade que induziu o legislador a tipificar tais condutas como racismo e injúria.
Racismo é uma doutrina que prega a existência de superioridade entre uma raça e outra. E o combate, é um dos objetivos fundamentais da Constituição, tanto que em seu art. 3º, estabelece que deve-se ter como objetivo promover o bem de todos, sem preconceito de origem, de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Por conseqüência, é considerado crime. O art. 5º, XLII, dispõe que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão. Dessa forma, a constituição determinou que o legislador criminalizasse a prática, sendo que os fatos resultantes de preconceito de raça e de cor passaram a ser disciplinados pela lei 7.716/89, o qual relaciona em seu art. 1º dois gêneros de condutas – discriminação e preconceito – e cinco objetos sobre os quais recaem essas condutas – raça, cor, etnia, religião e procedência nacional.
A lei 7.716/89 tipifica o crime racial em seu art. 20, o qual estabelece que praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Como estabelecido na Constituição, o crime de racismo é imprescritível, inafiançável e de ação penal pública incondicionada, a que independe da vontade da vítima. Bastará que comunique o crime à autoridade policial ou ao promotor de justiça para que estes tomem providências legais. Não é necessário contratar advogado, visto que o promotor é que ingressará com a ação penal.
Como dito anteriormente, a maioria das manifestações racistas no Brasil não são de caráter segregatório. Então, para abarcar tais fatos, o legislador tipificou como injúria qualificada pelo preconceito.
Injúria é a ofensa à dignidade e ao decoro de outrem. Dignidade é o sentido próprio a respeito dos atributos morais do cidadão. Decoro é o sentimento próprio a respeito dos atributos físicos e intelectuais da pessoa humana.
A injúria qualificada pelo preconceito foi trazida pela lei 9.459/97, que em seu art. 2º acrescentou o § 3º ao artigo 140 do Código Penal, um tipo qualificado ao delito de injúria, impondo penas de reclusão de um a três anos e multa, se cometidos mediante elementos referentes à raça, cor, religião ou origem. A alteração legislativa foi motivada pelo fato de réus acusados da prática de crimes de racismo, geralmente alegavam ter cometido apenas delito de injúria, de menor gravidade. Essa forma qualificada será de ação privada e a vítima deverá contratar advogado e ingressar com o processo dentro do prazo de seis meses, a contar da data que ocorreu o fato.
Contudo, quando ocorre um fato, muitos não sabem identificar, ou o confundem. Será racismo ou injúria? No crime de injúria, o agente utiliza elementos referentes à raça para atingir a honra subjetiva da vítima. Ex.: Preto; Nego de merda; Preto safado. Ao contrário da legislação que definiu os crimes resultantes do preconceito de raça, são proibidos comportamentos discriminatórios, atinentes à raça em geral, em regra mais graves. Ex.: Tu é safado porque tu é preto; Todo preto é burro.
Para a configuração da injúria qualificada não basta, que o agente profira as expressões com conteúdo discriminatório, não basta o dolo, sendo necessário um especial fim de agir consistente na vontade de discriminar o ofendido em decorrência de sua cor, raça, religião, etc. Não basta chamar alguém da raça negra de “negão” para que o crime se configure, pois nem sempre o emprego desse termo demonstra a intenção discriminatória. Basta considerar que entre amigos tal expressão poderá ser utilizada como demonstração de proximidade, de amizade, sem que haja a intenção de discriminar a pessoa da raça negra.
Portanto, percebe-se que o problema e a solução estão muito além da Carta Magna e do Direito Penal. Não podemos ter em mente que o Direito Penal é a salvação, muito menos com relação ao preconceito. Não tem a função de melhorar o ser humano, mas apenas impedir que uns agridam os outros. Deve haver profundas mudanças sociais. O problema está muito além do que se vê.